O caso da prisão do músico do Ponto de Equilíbrio, Pedro Caetano, que teve uma grande repercussão através da internet e da publicação da edição de outubro da revista Galileu levou um grupo de neurocientistas brasileiros, que estão dentre os mais renomados do mundo a redigir uma carta a favor da legalização da maconha no país. O interessante é que a defesa não foi em nome apenas do uso da erva como agente terapêutico e medicinal, mas também para consumo próprio e recreativo. Dos quatro cientistas signatários, três são pertencentes a SBNeC (Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento). A entidade, no entanto, divulgou uma nota esclarecendo que o documento não é representativo de toda a entidade.
“A carta foi originalmente escrita por diretores, mas ela não fala em nome de toda a SBNeC”, afirmou o presidente da entidade, Marcus Vinícius Baldo, da Universidade de São Paulo, ao G1.
As afirmações nas cartas foram rebatidas por outros membros da SBNeC. O neurocientista Jeferson Cavalcante, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), discorda da iniciativa. “Aos cientistas cabe apenas dar os fatos, não opinar sobre o que a sociedade deve fazer. Uma coisa é mostrar os efeitos da maconha no cérebro. Isso é o aspecto científico. Mas há um aspecto social e cultural envolvido nessa questão também”, acredita. "Fiz trabalho social e vi com meus próprios olhos que a maioria dos jovens viciados em drogas começa com a maconha.
A maconha é o primeiro passo. Eles cheiram cola porque não têm dinheiro para comprar maconha. Não se pode ignorar isso”, critica Cavalcante. "Se a sociedade civil quiser consultar os neurocientistas sobre o efeito da maconha no cérebro, daremos nosso parecer científico. Se vamos assinar algo enquanto neurocientistas devemos nos ater a isso”, afirma. "Todos temos direito a nossas opiniões pessoais sobre qualquer tema, mas não devemos misturar posição pessoal com profissional", diz ele. No entanto, cientistas também são cidadãos emersos em aspectos culturais e sociais e, certamente a ciência reflete os anseios e perspectivas de uma conjuntura social e cultural na qual ela se encontra. Em casos como este, de saúde pública, o papel do pesquisador é encontrar respostas satisfatórias e levá-las até a sociedade, emitindo uma opinião clara sobre os benefícios e prejuízos e suas recomendações, no caso, sobre a legalização ou não. No debate sobre a maconha, no qual a ciência está tão presente, se o papel dos cientistas não for informar e opinar não será de alguma utilidade para a sociedade em geral. Cavalcante, ao criticar a carta, afirma que cientistas devem se ater a ciência para defender a legalização da maconha e não entrar em aspectos sociais, mas no entanto usa aspectos sociais quando critica a legalização.
Outros pesquisadores, como Gilberto Fernando Xavier, da USP, ficaram em cima do muro, concordando com a legalização medicinal, mas tomando cuidado quando se refere ao uso recreativo. “Como qualquer medicamento, é preciso analisar se os benefícios superam os malefícios [da maconha]”. “Existem evidências fortes e substanciais para que se pense que a maconha possa ser usada para tratamento de algumas doenças. Para o uso recreativo ainda falta avaliar em extensão se algum benefício eventual pode compensar os malefícios de alteração de atenção e memória que sabemos que ela causa”, diz.
O presidente da SBNeC, Marcus Vinícius Baldo, respeita a opinião dos quatro pesquisadores, mas a disse que a discussão extrapolou as balizas científicas e adquiriu uma cor ideológica que de forma alguma tem o apoio da SBNeC. Ele conta que após a divulgação do documento, recebeu desde mensagens de apoio até críticas dos três mil membros da SBNeC. “Como é um assunto polêmico, vi desde aplausos até vaias. Não há uma opinião oficial da SBNeC até existir uma discussão que envolva todos os membros”
Segue abaixo a íntegra da carta:
“A planta Cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha, é utilizada de forma recreativa, religiosa e medicinal há séculos mas só há poucos anos a ciência começou a explicar seus mecanismos de ação. Na década de 1990, pesquisadores identificaram receptores capazes de responder ao tetrahidrocanabinol (THC), princípio ativo da maconha, na superfície das células do cérebro. Essa descoberta revelou que substâncias muito semelhantes existem naturalmente em nosso organismo, permitiu avaliar em detalhes seus efeitos terapêuticos e abriu perspectivas para o tratamento da obesidade, esclerose múltipla, doença de Parkinson, glaucoma, ansiedade, depressão, dor crônica, alcoolismo, epilepsia e dependência de nicotina, entre outras enfermidades. A importância dos canabinóides para a sobrevivência de células-tronco foi descrita recentemente pela equipe de um dos signatários, sugerindo sua utilização também em terapia celular".
Em virtude dos avanços da ciência que descrevem os efeitos da maconha no corpo humano e o entendimento de que a política proibicionista é mais deletéria que o consumo da substância, vários países alteraram suas legislações no sentido de liberar o uso medicinal e recreativo da maconha. Ainda que sem realizar uma descriminalização franca do uso e do cultivo, o Brasil veta (através do artigo 28 da Lei 11.343 de 2006) a prisão pelo cultivo de maconha para consumo pessoal, e impõe apenas sanções de caráter socializante e educativo. Infelizmente interpretações variadas sobre esta lei ainda existem. Um exemplo disto está no equívoco da prisão do músico Pedro Caetano, integrante da banda carioca Ponto de Equilíbrio. Pedro Caetano está há mais de uma semana numa cela comum acusado de tráfico de drogas. O enquadramento incorreto como traficante impede a obtenção de um habeas corpus para que o músico possa responder ao processo em liberdade.
A discussão ampla do tema é necessária e urgente para evitar a prisão daqueles usuários que, ao cultivarem a maconha para uso próprio, optam por não mais alimentar o poderio dos traficantes de drogas. Em seu próximo congresso, de 8-11 de setembro próximo, a Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC) irá contribuir para a discussão deste tema pouco conhecido da população brasileira. Um painel de discussões a respeito da influência da maconha sobre a aprendizagem e memória e também sobre as políticas públicas para os usuários será realizado sob o ponto de vista da neurociência. É preciso rapidamente encontrar um novo ponto de equilíbrio.”
As afirmações nas cartas foram rebatidas por outros membros da SBNeC. O neurocientista Jeferson Cavalcante, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), discorda da iniciativa. “Aos cientistas cabe apenas dar os fatos, não opinar sobre o que a sociedade deve fazer. Uma coisa é mostrar os efeitos da maconha no cérebro. Isso é o aspecto científico. Mas há um aspecto social e cultural envolvido nessa questão também”, acredita. "Fiz trabalho social e vi com meus próprios olhos que a maioria dos jovens viciados em drogas começa com a maconha.
A maconha é o primeiro passo. Eles cheiram cola porque não têm dinheiro para comprar maconha. Não se pode ignorar isso”, critica Cavalcante. "Se a sociedade civil quiser consultar os neurocientistas sobre o efeito da maconha no cérebro, daremos nosso parecer científico. Se vamos assinar algo enquanto neurocientistas devemos nos ater a isso”, afirma. "Todos temos direito a nossas opiniões pessoais sobre qualquer tema, mas não devemos misturar posição pessoal com profissional", diz ele. No entanto, cientistas também são cidadãos emersos em aspectos culturais e sociais e, certamente a ciência reflete os anseios e perspectivas de uma conjuntura social e cultural na qual ela se encontra. Em casos como este, de saúde pública, o papel do pesquisador é encontrar respostas satisfatórias e levá-las até a sociedade, emitindo uma opinião clara sobre os benefícios e prejuízos e suas recomendações, no caso, sobre a legalização ou não. No debate sobre a maconha, no qual a ciência está tão presente, se o papel dos cientistas não for informar e opinar não será de alguma utilidade para a sociedade em geral. Cavalcante, ao criticar a carta, afirma que cientistas devem se ater a ciência para defender a legalização da maconha e não entrar em aspectos sociais, mas no entanto usa aspectos sociais quando critica a legalização.
Outros pesquisadores, como Gilberto Fernando Xavier, da USP, ficaram em cima do muro, concordando com a legalização medicinal, mas tomando cuidado quando se refere ao uso recreativo. “Como qualquer medicamento, é preciso analisar se os benefícios superam os malefícios [da maconha]”. “Existem evidências fortes e substanciais para que se pense que a maconha possa ser usada para tratamento de algumas doenças. Para o uso recreativo ainda falta avaliar em extensão se algum benefício eventual pode compensar os malefícios de alteração de atenção e memória que sabemos que ela causa”, diz.
O presidente da SBNeC, Marcus Vinícius Baldo, respeita a opinião dos quatro pesquisadores, mas a disse que a discussão extrapolou as balizas científicas e adquiriu uma cor ideológica que de forma alguma tem o apoio da SBNeC. Ele conta que após a divulgação do documento, recebeu desde mensagens de apoio até críticas dos três mil membros da SBNeC. “Como é um assunto polêmico, vi desde aplausos até vaias. Não há uma opinião oficial da SBNeC até existir uma discussão que envolva todos os membros”
Segue abaixo a íntegra da carta:
“A planta Cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha, é utilizada de forma recreativa, religiosa e medicinal há séculos mas só há poucos anos a ciência começou a explicar seus mecanismos de ação. Na década de 1990, pesquisadores identificaram receptores capazes de responder ao tetrahidrocanabinol (THC), princípio ativo da maconha, na superfície das células do cérebro. Essa descoberta revelou que substâncias muito semelhantes existem naturalmente em nosso organismo, permitiu avaliar em detalhes seus efeitos terapêuticos e abriu perspectivas para o tratamento da obesidade, esclerose múltipla, doença de Parkinson, glaucoma, ansiedade, depressão, dor crônica, alcoolismo, epilepsia e dependência de nicotina, entre outras enfermidades. A importância dos canabinóides para a sobrevivência de células-tronco foi descrita recentemente pela equipe de um dos signatários, sugerindo sua utilização também em terapia celular".
Em virtude dos avanços da ciência que descrevem os efeitos da maconha no corpo humano e o entendimento de que a política proibicionista é mais deletéria que o consumo da substância, vários países alteraram suas legislações no sentido de liberar o uso medicinal e recreativo da maconha. Ainda que sem realizar uma descriminalização franca do uso e do cultivo, o Brasil veta (através do artigo 28 da Lei 11.343 de 2006) a prisão pelo cultivo de maconha para consumo pessoal, e impõe apenas sanções de caráter socializante e educativo. Infelizmente interpretações variadas sobre esta lei ainda existem. Um exemplo disto está no equívoco da prisão do músico Pedro Caetano, integrante da banda carioca Ponto de Equilíbrio. Pedro Caetano está há mais de uma semana numa cela comum acusado de tráfico de drogas. O enquadramento incorreto como traficante impede a obtenção de um habeas corpus para que o músico possa responder ao processo em liberdade.
A discussão ampla do tema é necessária e urgente para evitar a prisão daqueles usuários que, ao cultivarem a maconha para uso próprio, optam por não mais alimentar o poderio dos traficantes de drogas. Em seu próximo congresso, de 8-11 de setembro próximo, a Sociedade Brasileira de Neurociências e Comportamento (SBNeC) irá contribuir para a discussão deste tema pouco conhecido da população brasileira. Um painel de discussões a respeito da influência da maconha sobre a aprendizagem e memória e também sobre as políticas públicas para os usuários será realizado sob o ponto de vista da neurociência. É preciso rapidamente encontrar um novo ponto de equilíbrio.”
por Dr. Moura Verdini
Fonte: http://hempadao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário